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“Temos de Liderar pelo exemplo”

Com mais de três décadas de experiência, Alexandra Bordalo Gonçalves é Advogada e Sócia na BGRR Advogados, uma marca de enorme reputação e prestígio. À Business Voice, a nossa entrevistada, abordou a sua carreira, as vitórias e os desafios, sem esquecer a importância do Dia Internacional da Mulher.

No sentido de contextualizar o nosso leitor, começo por lhe pedir para partilhar um pouco do seu percurso profissional. Que marcos são para si mais simbólicos e quais os desafios que, ao longo do seu trajeto, teve de enfrentar?
Sou Advogada, licenciei-me há 30 anos (passou num instante), e como todos, fui estagiar. Exerci a profissão em vários formatos, em prática individual, ainda que partilhando escritório, clientes e conhecimento, fui advogada de empresa num grupo ligado às obras públicas, em pequenas sociedades. A par disto, dei aulas na Faculdade, dei formação, sou, há mais de 12 anos, árbitra no Conselho Económico e Social, a que acresce a atividade no Conselho de Deontologia de Lisboa, primeiro como Conselheira, depois Vice-Presidente e, desde 2020, como Presidente.
Como advogada tem-se a oportunidade de lidar com diversas áreas do Direito, bem como com inúmeras pessoas e realidades. Ao fim do dia, quando se faz um balanço, certo é que, a par do trabalho solitário, de estudo, de escrita, há um sem fim de pessoas que se conheceram, de estórias que nos foram contadas, de universos diversos em que nos encontramos.

A Alexandra Bordalo Gonçalves é Advogada e Sócia na BGRR Advogados, uma marca de enorme relevo e bastante conceituada na praça pública. Fale-nos um pouco do crescimento da marca e como é que descreve o seu papel no seio da marca?
No mundo da advocacia o bom nome é o maior requisito. Aqui se compreende a competência, a honorabilidade, o profissionalismo. O mesmo critério se aplica a qualquer sociedade de advogados. O bom nome de quem a integra, o modo como atua, como se posiciona.
Não temos pretensões de perfeição ou de comparação com sociedades de grande dimensão. Garantimos proximidade, rigor e seriedade, a par de preocupação com o Cliente. Por isso, a sociedade tem vindo a crescer, ainda que mantenha esta característica micro.
O nome da sociedade é absolutamente indissociável dos sócios que a compõem, e aqui, lá está, o cartão de visita é a reputação, o bom nome. Ou seja, a competência, a dedicação, a capacidade de estabelecer relações pessoais, de ser empático, de criar soluções que vão além do estritamente jurídico ou processual, é aquilo que nos caracteriza.

Esta sua função traz consigo uma liderança acrescida. Como líder feminina no setor do direito, que valores ou princípios norteiam a sua abordagem ao liderar uma equipa ou gerir operações dentro da BGRR Advogados ou do Conselho de Deontologia?
O setor do Direito, a advocacia, as magistraturas, é primacialmente feminino. O número de estudantes de Direito é maioritariamente feminino, há décadas, pelo que, inevitavelmente, o número de mulheres profissionais do direito sempre terá de ser dominante. Ainda assim, é preciso quebrar barreiras para que mais mulheres ascendam a posições de liderança. Mesmo num “female dominated field”, não é facto consumado que as mulheres tenham as mesmas oportunidades que os colegas homens.
Não sei se sei caraterizar uma liderança feminina, como refere. Opto, sempre, pela frontalidade, exijo seriedade, trabalho e rigor e a lealdade é o maior traço de carácter que procuro.
A profissão não é fácil, considerando que a advocacia do contencioso está permanentemente subjugada ao cumprimento de prazos, apesar de a justiça não ter prazo! É essencial incutir nos mais novos a responsabilidade da função, o futuro dos clientes está, em parte, nas nossas mãos, no trabalho que desenvolvemos, nos timings em que o fazemos, na abordagem adotada e no eventual sucesso da demanda.
No Conselho existem equipas distintas, a dos funcionários, corpo permanente que assegura o funcionamento da secretaria e parte da tramitação processual. A dos colaboradores externos que tramita processos, e os eleitos, Advogados da circunscrição regional de Lisboa. Obviamente, tem de haver liderança e tem de haver exigência e acompanhamento, sob pena de podermos atravessar um triénio e a grande conquista ser o aumento da pendência!
Não tenho qualquer dúvida de que a chave do sucesso é ter controlo no sentido de saber o conjunto de tarefas a desenvolver, a quem estão distribuídas, se os prazos de execução são cumpridos, entre outros. Ou seja, ter controlo é ter conhecimento, o que há para fazer, quem está a fazê-lo, se fez e se não fez atuar. Como? Passando a outro, exigindo explicações, fazer diretamente, se for o caso.
E não temer reações alheias, afinal as pessoas são pessoas, têm idiossincrasias de personalidade e não podemos deixar de fazer o nosso trabalho. É importante debater, ouvir diferentes pontos de vista, mas sempre com foco na missão a que nos candidatámos e para a qual somos eleitos: de fazer cumprir as normas do Direito. Não podemos ter receio.

Na atualidade, começamos a ver cada vez mais Mulheres em posições de Liderança no setor do Direito. Para si, que análise perpetua deste crescimento feminino no setor e o que é necessário continuar a fazer para que este cenário seja ainda mais equilibrado na presença de Homens e Mulheres no setor?
Sendo o número de profissionais Mulheres muito superior, não era possível ou compaginável que as mulheres não ascendessem na liderança das suas organizações.
Há cada vez mais Managing Partners das sociedades que são mulheres. Bem como dirigentes no setor público. Sem esquecer o elevado número de mulheres em cargos de natureza pública, política e no seio da Ordem, nomeadamente.
No que toca à Ordem dos Advogados, temos de aplicar a Lei da Paridade e acabamos com o efeito perverso de haver órgãos locais, as delegações das comarcas, que não têm listas candidatas, por faltarem homens advogados disponíveis para o efeito!
Enfim, peculiaridades do sistema.
É importante, contudo, reconhecer o facto de ainda haver desigualdade de tratamento e “double standards”, havendo ainda um longo caminho a percorrer no que concerne a igualdade de género.
 
A presença feminina nas posições de liderança tem vindo a aumentar, mas ainda existem desafios. Quais acredita que são as principais barreiras para as mulheres no setor do direito e como podemos superá-las?
Subsiste, ainda, um conservadorismo bacoco de alguns e alguma misoginia de outros. Aqui o preocupante é que não encontramos isto apenas em pessoas muito mais velhas, que conseguimos conceber que pela sua educação e vivência, possam ainda ter alguns ideias mais tradicionais (que devem ser combatidos). Mas encontramos pessoas do nosso tempo, da nossa idade, com estes comportamentos. Que em vez de discutirem connosco pontos de vista, de forma frontal, séria e direta, vão solicitar a terceiros que exerçam o seu poder!
Existe, também, ainda, alguma desvalorização por conta da maternidade e suas exigências. Isto só se supera com educação, frontalidade e inteligência.

Na sua opinião, como é que a diversidade de género pode impactar positivamente o setor jurídico, tanto em termos de resultados quanto de cultura organizacional?
A diversidade de género é uma realidade. Homens e Mulheres partilham princípios, opiniões e objetivos. As particularidades e sensibilidades de cada um oferecem pontos de vista e opiniões. E é preciso todo o tipo de diversidade: de experiências, de ideias, para que exista uma justiça mais inclusiva.
Se da discussão nasce a luz, a discussão feita com diversidade, trará mais luz e mais soluções. Mas, a diversidade de género não é suficiente. Precisamos de todo o tipo de diversidade: de experiências, de ideias, de credos…para que exista uma justiça mais inclusiva e mais justa.

Quais conselhos daria a jovens mulheres que estão a começar a sua carreira no direito e que aspiram a ocupar posições de liderança?
Trabalho, trabalho, trabalho. Não esquecer o equilíbrio com a vida pessoal. Procurar saber e conhecimento em áreas menos comuns, distinguirem-se pela qualidade e competência. Serem frontais e nunca subservientes.
O “Síndrome de Impostor” está muito enraizado nas mulheres, que se sentem muitas vezes como não pertencendo ou não merecendo a posição em que estão. É preciso desafiarmos estes conceitos dentro de nós mesmas, principalmente quando damos por nós em mesas repletas de homens. Devemos pensar que, caso fizesse sentido estar lá outra pessoa em vez de nós, outra pessoa lá estaria. Se estamos, é porque merecemos e conquistámos aquele lugar à mesa.

A legislação e as políticas de igualdade de género estão a evoluir, mas em que pontos precisamos de melhorar?
Na educação.
Persiste o preconceito transversalmente na sociedade. Os clubes de «menina não entra» existem, nos mais diversos planos da vida portuguesa. A educação é imprescindível para mudar as mentalidades.
No mundo do direito e da justiça, as questões da maternidade são muitíssimo impactantes. Nomeadamente e especialmente, para as advogadas. Não existe licença de maternidade, nem garantia de rendimentos, pelo que tem sempre de ser uma decisão ponderada e acautelada com almofada financeira e apoios, por exemplo para ficarem com o bebé, enquanto a Mãe Advogada faz um julgamento!

Que mensagem lhe aprazaria deixar a todas as Mulheres presentes no setor do direito e que, diariamente, vivem e convivem com diversos desafios e dificuldades, simplesmente porque são Mulheres?
Bon Courage, como dizem os franceses!
A sério, há questões complexas, como sejam as situações de assédio que algumas profissionais podem viver. Mas aqui, tanto faz ser neste setor, como noutro qualquer. É preciso falar e ter ownership – se vemos, se sabemos, temos de reportar. O silêncio só beneficia quem tem algo a esconder. Não podemos ficar caladas, mesmo que não seja diretamente connosco (e principalmente quando estamos em posições de liderança – temos de liderar pelo exemplo).
Vejo as jovens que agora iniciam as suas carreiras profissionais muito seguras do seu lugar no mundo, dos seus direitos. E é assim que deve ser. Ainda há um longo caminho a percorrer, mas acredito que estamos na direção certa.

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