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“Não precisamos de pedir licença para estar onde queremos estar”

A Business Voice esteve à conversa com Tânia Morais Pereira, Advogada, a quem sempre fascinou a forma como as leis moldam a sociedade, tendo escolhido o caminho do direito e da advocacia porque foi algo que se foi encaixando naturalmente na sua evolução pessoal e profissional. Saiba mais de uma Mulher e Advogada que acredita que não se precisa pedir licença para estar onde se quer estar.

De que forma é que o Direito entrou na sua vida e de que forma é que olha para seu trajeto enquanto uma profissional neste setor?
O Direito entrou na minha vida de forma gradual. Desde cedo, sempre me fascinou a forma como as leis moldam a sociedade e a realidade em que vivemos. No entanto, não foi vocação inata. A minha escolha pelo Direito foi amadurecendo ao longo do tempo, à medida que fui aprofundando os meus conhecimentos durante a prática académica e percebi que esta área, para além de me proporcionar desafios intelectuais, me permitia ajudar pessoas a resolver problemas e a lutar pela justiça. Por isso, tornar-me advogada foi algo que se foi encaixando naturalmente com a minha própria evolução pessoal e profissional.
O meu trajeto profissional, ainda que recente, tem sido marcado por um crescimento constante e pela construção de uma identidade própria na advocacia. Licenciei-me em Direito no Porto e foi também nesta cidade que realizei o meu estágio profissional, o que me permitiu contactar de perto com a dinâmica dos grandes centros urbanos e compreender diferentes realidades do exercício da advocacia. No entanto, foi com esse conhecimento que optei por regressar à minha terra natal, Bragança, onde tenho vindo a desenvolver a minha prática profissional. Aqui, a advocacia desenvolve-se num contexto diferente, profundamente ligado a valores de proximidade, confiança e tradição. Este ambiente tem-me permitido criar uma proximidade genuína com os clientes e adotar uma abordagem personalizada. Independentemente da dimensão do meio onde atuamos, acredito que é possível construir um caminho sólido e de excelência na advocacia, pautado pela seriedade, pelo rigor e pelo compromisso com a justiça.

Que marcos são para si mais simbólicos e quais os desafios que, ao longo do seu trajeto, teve de enfrentar?
O primeiro grande marco foi a minha inscrição na Ordem dos Advogados, momento em que senti, de forma concreta, o peso da responsabilidade que a profissão exige. Outro marco simbólico tem sido o crescimento da minha prática individual, num meio onde a advocacia, por vezes, enfrenta desafios acrescidos devido às dinâmicas locais e à menor dimensão do mercado jurídico. A afirmação enquanto jovem advogada, num contexto onde a experiência é altamente valorizada, tem sido um dos maiores desafios, exigindo dedicação, estudo contínuo e uma capacidade de adaptação constante.

Hoje é mais fácil uma Mulher advogada assumir uma posição de liderança e destaque?
O papel da mulher na advocacia tem evoluído significativamente, e hoje existem menos barreiras para que uma advogada ocupe posições de destaque. Pessoalmente, não senti maior dificuldade em afirmar a minha posição na advocacia pelo facto de ser mulher. Se há um desafio que percebo como mais presente, não é tanto a questão do género, mas sim o fator idade/experiência. A experiência continua a ser um fator altamente valorizado na escolha de um/a advogado/a e, enquanto jovem advogada, noto que muitos clientes associam competência a anos de prática, o que pode exigir um esforço adicional para demostrar capacidade e conquistar confiança.
Acredito que, tanto para homens como para mulheres, a verdadeira chave para assumir uma posição de liderança e destaque na advocacia continua a ser a competência, a resiliência e a dedicação. São essas qualidades que, no meu entender, devem ser as forças motrizes que permitem a qualquer profissional do Direito prosperar na carreira e conquistar o reconhecimento pelo seu trabalho.

Na sua visão, quais são as diferenças na forma como homens e mulheres enfrentam desafios na carreira jurídica, e como a sociedade e as instituições podem contribuir para um ambiente mais justo e equilibrado?
A advocacia exige, entre muitas outras qualidades, disponibilidade, independentemente do género. No entanto, é inegável que as mulheres ainda enfrentam desafios adicionais, sobretudo na conciliação entre a vida profissional e pessoal.
Apesar das mudanças na dinâmica familiar e do crescente envolvimento dos homens nas responsabilidades domésticas, as mulheres continuam a ser, predominantemente, as principais gestoras dessas tarefas. A gravidez, por exemplo, ainda é vista, em alguns contextos, como um fator que pode comprometer a disponibilidade profissional, o que leva a uma preferência, muitas vezes inconsciente, por candidatos masculinos para determinadas funções. Não se trata de uma questão de competência, mas sim da perceção de que, por fatores pessoais, as mulheres poderão estar menos disponíveis para os desafios exigentes da profissão. Neste sentido, acredito que as mulheres na advocacia – e noutras áreas de exigência profissional – acabam por desenvolver uma capacidade ímpar de adaptação. Como uma autêntica matrioshka, conseguem assumir diferentes papéis sem perder a sua essência, equilibrando as várias dimensões da vida sem que nenhuma apague a outra.
A solução para um ambiente mais justo passa, necessariamente, por uma maior flexibilidade nas instituições e, sobretudo, por uma mudança de mentalidade, reconhecendo que tanto homens como mulheres devem ter as mesmas oportunidades, sem que as suas responsabilidades pessoais se tornem num fator limitante para o seu crescimento profissional.

Quais são os desafios específicos que as mulheres advogadas enfrentam no acesso a posições de topo nos grandes escritórios de advocacia e no setor público?
Nos grandes escritórios de advocacia, a ascensão a posições de topo ainda pode ser um percurso exigente, não tanto por uma questão de género, mas pela necessidade de uma dedicação total e permanente. O modelo tradicional de progressão profissional exige disponibilidade constante, o que pode tornar-se um desafio para quem, além da carreira, assuma outras responsabilidades pessoais. Para as mulheres, essa exigência pode tornar-se um obstáculo adicional, especialmente numa fase em que a vida pessoal e profissional tendem a cruzar-se de forma mais intensa.
No setor público, a progressão baseia-se frequentemente em critérios de antiguidade, o que pode representar um entrave para qualquer profissional jovem que queira afirmar-se rapidamente. Nem sempre as oportunidades surgem em condições de verdadeira igualdade, sendo essencial garantir que o mérito e a competência sejam os fatores determinantes no acesso a cargos de destaque.
Independentemente do contexto – seja em grandes escritórios ou no setor público – acredito que a ascensão profissional se constrói com consciência, rigor e um trabalho bem sustentado. A chave está em não permitir que as dificuldades iniciais definam o percurso, mas sim em encará-las como etapas naturais de crescimento.

Como é que a ascensão de mulheres em cargos de destaque na advocacia tem ajudado a redefinir padrões tradicionais e a desconstruir estereótipos de género no setor jurídico?
A presença crescente de mulheres em cargos de liderança na advocacia tem sido decisiva para desconstruir estereótipos e demonstrar, na prática, que a competência jurídica não tem género. Atualmente, as mulheres representam a maioria no curso de Direito e representam uma parcela significativa da advocacia, assumindo funções de destaque em diversas áreas.
O facto de vermos cada vez mais advogadas a liderar equipas, a representar clientes em processos de grande complexidade e a ocupar cargos institucionais tem contribuído para tornar ultrapassada a visão de que a advocacia seria um domínio tradicionalmente masculino. Esta evolução não só reflete uma maior igualdade de oportunidades, mas também influencia a forma como o próprio setor jurídico se estrutura, incentivando uma cultura profissional mais inclusiva e representativa da sociedade. Com mais mulheres a ocupar posições estratégicas, a profissão torna-se mais equilibrada.

Como a liderança feminina no Direito tem influenciado a abordagem legislativa e judicial em temas como a violência doméstica, a igualdade salarial e a discriminação de género no trabalho?
A liderança feminina tem trazido maior sensibilidade e enfoque em temas que, durante muito tempo, não tiveram o devido destaque. No âmbito da violência doméstica, a presença crescente de mulheres de Direito tem contribuído para o desenvolvimento de um enquadramento jurídico mais eficaz na proteção das vítimas. Exemplos disso são a implementação de medidas protetivas mais céleres e penas mais severas para os agressores, bem como a promoção de formações contínuas e ações de sensibilização por parte de entidades como a Ordem dos Advogados, visando uma maior capacitação dos profissionais de Direito e uma abordagem mais assertiva na prevenção e combate à violência doméstica.
Já no campo da igualdade salarial e da discriminação do género no trabalho, a crescente participação feminina na advocacia e na magistratura tem ajudado a impulsionar mudanças legislativas e jurisprudenciais que promovem a equidade no mercado do trabalho. Questões como a transparência salarial, a proteção da maternidade sem prejuízo para a progressão na carreira e a responsabilização das empresas por práticas discriminatórias têm sido cada vez mais debatidas e regulamentadas, muito devido à presença de mulheres nos centros da decisão.

Como é que a crescente digitalização do setor jurídico e as novas formas de trabalho remoto podem representar oportunidades e desafios para a ascensão das mulheres na advocacia?
A crescente digitalização do setor jurídico e adoção de modelos de trabalho remoto têm transformado significativamente a prática da advocacia, apresentando tanto oportunidades quanto desafios específicos para a ascensão das mulheres nesta área.
A flexibilização dos modelos de trabalho permite uma maior conciliação entre a vida profissional e pessoal, eliminando algumas barreiras que tradicionalmente limitavam o crescimento das mulheres na carreira jurídica. Com a possibilidade de prestar consultoria jurídica, realizar audiências online e aceder a plataformas digitais para a tramitação de processos, as advogadas podem gerir o seu tempo de forma mais eficiente, sem a necessidade de uma presença física constante nos escritórios, tribunais e nas mais variadas instituições públicas e privadas, onde tradicionalmente também exercemos grande parte da nossa atividade.
No entanto, como em quase tudo nesta vida, há consequências. O trabalho remoto pode, paradoxalmente, reforçar algumas desigualdades. A digitalização implica uma maior exigência de adaptação às novas tecnologias e à automatização de certas tarefas, o que pode criar uma pressão adicional para os profissionais de Direito que necessitam de se reinventar continuamente. Além disso, o trabalho remoto, pode também dificultar a visibilidade profissional e a construção de redes de contactos. Em contextos mais tradicionais, a presença física ainda é valorizada para a consolidação da credibilidade e para a construção de uma carteira de clientes sólida.
Portanto, o desafio está em equilibrar os benefícios tecnológicos com a necessidade de presença e influência nos espaços de decisão.

Que conselho ou mensagem inspiradora gostaria de partilhar com todas as mulheres advogadas em Portugal, especialmente as mais jovens que ambicionam construir uma carreira sólida e alcançar posições de liderança no setor jurídico?
Não sei se sou a melhor pessoa para dar um conselho inspirador, porque, tal como muitas jovens advogadas, também eu ainda ando à procura dessas mensagens inspiradoras que nos fazem acreditar mais em nós e no nosso caminho. Ainda estou a construir a minha trajetória, ainda duvido, ainda me questiono, ainda me inspiro nas histórias de outras advogadas que abriram caminho antes de mim e que, com coragem, nos mostraram que é possível.
A advocacia exige coragem, resiliência e uma boa dose de ousadia. Muitas vezes, sentimo-nos “menos capazes” perante um mundo que nos parece demasiado grande, competitivo e exigente. Mas a verdade é que ninguém nasce pronta, ninguém começa a carreira com todas as certezas, e ninguém chega longe sem arriscar, sem ousar sair da zona de conforto.
Se há algo que tenho vindo a aprender, é que não devemos ter receio de ocupar os espaços que, por mérito, nos pertencem. Por isso, a minha mensagem é simples: avancem. É natural sentir insegurança, mas não deixem que isso vos paralise. Não precisamos de pedir licença para estar onde queremos estar. O espaço que ambicionamos na advocacia – ou em qualquer outro lugar – não nos será dado; temos de ocupá-lo com confiança e mérito.

A terminar, o que podemos esperar de si no domínio do direito e da busca incessante por uma ligação transparente, rigorosa e de excelência no relacionamento com os seus clientes?
Podem esperar um compromisso contínuo com a qualidade, a transparência e a proximidade. O meu percurso tem sido pautado por uma advocacia personalizada, adaptada à realidade dos meus clientes e às especificidades da região onde exerço.
No Direito, o rigor é fundamental, mas a humanidade não pode ser esquecida. O que posso garantir é que continuarei a perseguir a excelência com humildade e persistência, nunca perdendo de vista a importância de ouvir, entender e atuar com plena responsabilidade e respeito pelo outro.
Recentemente, recebi uma proposta de trabalho que representa uma grande oportunidade na minha carreira, algo que me desafiará e trará novas oportunidades de crescimento. Embora ainda não possa revelar todos os detalhes, esta mudança está alinhada com a minha busca constante por evolução e pela construção de um futuro mais sólido. Acredito que esta minha inquietude constante é um reflexo da minha vontade de me superar e de procurar, sempre, o melhor para os meus clientes e para a minha prática jurídica.
Assim, pretendo continuar a crescer, a aprofundar o meu conhecimento e a contribuir para uma prática jurídica que se distingue pela seriedade, dedicação, transparência, e, acima de tudo, pelo compromisso com o melhor interesse de quem confia no meu trabalho.




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