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“Cumpre-nos a nós arranjar tempo e soluções para proteger a Criança”


Em Portugal, o debate sobre o Direito da Criança tem vindo a ganhar uma relevância crescente, refletindo uma evolução social que procura colocar o bem-estar dos mais novos no centro das decisões familiares e judiciais. Mas será que o sistema atual consegue, de facto, garantir o superior interesse da criança em todos os contextos?
Para Bárbara Duarte, Advogada e Fundadora da Bárbara Duarte – Advogada, a resposta passa por um olhar mais humano e equitativo sobre a parentalidade:
“Para minimizarmos o impacto emocional da criança, a melhor das formas é conseguirmos um tempo equitativo para ambos os progenitores junto da criança.”
Com esta perspetiva, Bárbara Duarte propõe uma análise lúcida e sensível sobre o Direito da Criança em Portugal, destacando a importância de políticas e práticas que promovam a estabilidade emocional, o equilíbrio afetivo e a corresponsabilização parental como pilares essenciais de uma sociedade mais justa e consciente.

Na sua perspetiva, quais são hoje os principais desafios no âmbito do Direito da Criança em Portugal?
Entendo que os desafios no âmbito dos direitos da criança estão correlacionados com os desafios que vamos sentido, diariamente, na própria evolução do mundo. Atualmente vivemos num mundo demasiado rápido, com excesso de informação, a qual temos necessidade de filtrar. As pessoas estão mais exigentes, querem respostas rápidas, céleres e, muitas vezes, na minha opinião, nem se importam que não sejam eficazes, desde que alguém responda rápido ao solicitado.  E fazer com que as pessoas entendam que a pressa é inimiga da perfeição, é, também, por si só, um desafio.
Além disso, constata-se que nem sempre os meios disponíveis conseguem responder ao que é solicitado, ou seja, a falta de recursos humanos especializados e disponíveis para fazer face à elevada demanda é, na minha perspetiva, outro grande desafio, porquanto, mesmo que tentemos atuar de forma célere e eficaz, os recursos humanos que temos disponíveis para o efeito nem sempre o permitem. É frequente tentar agir com celeridade o que nos leva a que tentemos atuar de forma rápida para a proteção da criança e do seu bem-estar desta, contudo, muitas das vezes, vemo-nos de braços dados com meses de espera, sendo as expectativas goradas pela falta de recursos humanos capazes de diligenciar nesse sentido.

Como é que o princípio do “superior interesse da criança” deve orientar a atuação da(o) advogada(o) em processos jurídicos que envolvem menores?
O superior interesse da criança deve nortear o trabalho a desenvolver pelos profissionais, devendo ser também um fim último a atingir, por vezes, os Pais – apesar de pensarem que estão a tomar a decisão certa para a criança e a agir no superior interesse desta – estão, na realidade, a agir, como costumo dizer, no “seu superior interesse” não olhando a meios ou fins para o atingir. 
Na minha opinião, este é o papel que o Advogado deve desempenhar até à exaustão, ou seja, zelar pela proteção da criança e pelo  seu Verdadeiro superior interesse. Acima de tudo, protegê-la do processo judicial e analisar qual é o efetivo interesse e a melhor decisão a tomar para esta.
Claro que, quando por vezes patrocinamos crianças com apenas meses de idade, é difícil tendermos qual o seu efetivo interesse. Contudo, enquanto Advogados da criança, e confrontados que somos com o “problema” com que os Pais se estão a deparar, resta-nos centrar na criança e ser a Voz da mesma, por forma a que, juntamente com o M.P. e o Juiz, possamos garantir que o superior interesse da criança é respeitado, ouvido e alcançado, sendo a criança protegida o máximo que conseguimos.
Basicamente, cada caso é um caso e cada criança se depara com uma situação diferente, pelo que, enquanto Advogada oriento sempre a minha atuação, no sentido de respeitar a criança e o que é melhor para esta – independentemente de ser esta ou não a vontade dos Progenitores.

Quais são os maiores dilemas éticos que podem surgir na prática da advocacia quando se trata de defender os direitos das crianças?
Cada individuo tem as suas próprias crenças e valores – os quais devemos sempre tentar respeitar.
Felizmente, até ao presente, não me deparei ainda com dilemas éticos, sérios. Contudo e quando tal suceder, havendo possibilidade, irei sempre tentar entender a posição da criança quanto ao tema e, posteriormente, junto com o M.P. e o Juiz, decidir no superior interesse desta, por forma a que, a criança tenha sua posição protegida.
Hoje em dia – apesar de no conflito parental os Pais continuarem sempre com posições muito diferentes entre si – começa-se já a ver pequenas mudanças no sentido de, se necessário for deixar a própria criança decidir por si tal questão ética – batizado, religião, etc. E isso é um dos pontos positivos que vejo na evolução da humanidade. Pouco a pouco, as pessoas começam a alterar o seu modo de ver o mundo e isso, no final, é benéfico para a criança.

De que forma se garante que a voz e os interesses da criança sejam efetivamente considerados em tribunal, especialmente quando podem divergir dos interesses dos pais ou representantes legais?
A opinião do Advogado é sempre respeitada pelo Tribunal – e, no final, é o que interessa perante o pequeno Ser que queremos proteger.
É Verdade que, por vezes, os interesses da criança e a voz desta, transmitida através do Advogado, podem divergir dos interesses dos pais ou representantes legais. Contudo, o Advogado fazendo jus à sua intenção, não deverá fazer pender as suas reflexões no sentido de “agradar” os pais ou os representantes legais, mas sim para, juntamente com o M.P., proteger e atender os direitos da criança, pelo que, e pensando no melhor para esta criança – cujos pais se encontram em conflito – as decisões devem ser tomadas, mesmo que os interesses dos pais colidam com as mesmas.
Se pensarmos bem, uma criança cujos direitos têm de ser defendidos e/ou regulados em Tribunal será porque, os seus Progenitores, chegaram a um ponto de rutura e “não se entendem”. Assim sendo, mesmo que a posição do Advogado colida com os interesses dos Pais ou dos representantes legais, é a que tem de ser defendida e tomada em atenção aos interesses da criança – aliás, é essa a nossa função em Tribunal.
Assim e na minha opinião, só podemos garantir que a voz e os interesses da criança são considerados em Tribunal quando mantemos firme a nossa posição e, apesar das tentativas que os Progenitores ou os legais representantes possam fazer para alterar isto, não mudar nem ceder às mesmas – juntamente com o M.P. e o Juiz, certamente será decidido o melhor para esta criança.
Portanto e em suma: respeitar a posição dos Pais e/ou representantes legais, contudo, levar a cabo a posição que adotámos e seguir com a mesma para proteger a criança – mesmo que os Progenitores e/ou representantes legais, por algum motivo, não concordem.

Na sua opinião, que competências específicas deve ter uma(o) advogada(o) para atuar com sensibilidade e rigor em casos relacionados com crianças?
Profissionalismo e respeito pela criança e pela situação em que se encontra. Não relegar a criança, os seus sentimentos e/ou opinião apenas porque é criança. Aqui há dias tive uma situação de um Menor cujo Progenitor(a) ficou muito surpreendido(a) por eu querer falar com a criança (neste caso, já adolescente com cerca de 14/15 anos) e perceber diretamente junto deste qual a sua posição perante o conflito parental em que se encontra.
Acima de tudo, temos de ser Humanos e, na minha perspetiva, não deixar de ouvir a criança e tentar entender esta – conciliando com os outros agentes também – qual a sua opinião e o que entende ser melhor para si, tentando agir de acordo com o seu querer. 
Temos de atender à voz, discurso e posição desta pois que, por vezes, há situações de alienação/conflito parental que apenas conseguimos ver que efetivamente existe, quando ouvimos também a criança e a explicação da situação/fase por que se encontra a passar.

Nos casos de regulação do poder parental, guarda ou adoção, como pode a(o) advogada(o) equilibrar a defesa jurídica com uma postura que minimize o impacto emocional na criança?
Na minha opinião, para minimizarmos o impacto emocional da criança, a melhor das formas é conseguirmos um tempo equitativo para ambos os Progenitores junto da criança. Pugno sempre por acordos de responsabilidade parentais com semanas alternadas, por forma a que, a criança, possa ter exatamente o mesmo tempo com ambos os Progenitores que ajudarão, equitativamente, no seu processo de desenvolvimento.
Na prática, nem sempre conseguimos que isso aconteça – infelizmente. Por vezes, há processos longos em que existem períodos de afastamento de um dos Progenitores. Nem sempre bem, outras vez sim, por necessário. Contudo, quero acreditar sempre no bem da humanidade e em como, mais tarde ou mais cedo, os Pais entenderão que o processo não é acerca deles e dos seus egos feridos com o término da relação, mas sim acerca da criança que geraram e a qual, no final, não pediu para vir a este mundo. Muitas das vezes, os Progenitores esquecem-se desta questão e acabam por focar todo o processo judicial nos seus próprios problemas, relegando o efetivo interesse da criança para um segundo plano… o que não podemos admitir pois, um processo judicial, não é acerca destes, mas sim acerca da criança e, no final, tanto o Advogado da criança, como o M.P. e o Juiz estão ali para desempenhar o seu papel e assegurar o melhor para esta.
Portanto, o Advogado pode ter um papel preventivo e tentar diminuir o processo judicial/conflito parental, tentando restabelecer/estabelecer contactos entre os Progenitores. Contudo, e aqui sou do entendimento que, quem tem este maior poder não somos nós Advogados, mas sim, e em primeiro lugar, os Progenitores e, após estes, os terapeutas/psicólogos que são cada vez mais importantes no acompanhamento das crianças e desenvolvimento saudável também.
A prática preventiva é sempre a melhor, portanto, e em todas as situações de conflito parental ou previamente a tal situação, na m/ opinião, o melhor, sempre será que os Progenitores obtenham ajuda junto de profissionais qualificados que os auxiliem na mediação da situação e, também, a dotar este agregado das ferramentas necessárias para lidarem com a nova realidade com que se deparam. 
Acima de tudo, entendo que devemos pugnar pela celebração de acordos extrajudiciais e dar o nosso máximo para lograr não chegar a Tribunal – costumo, muitas vezes, referir aos meus clientes que o Tribunal é pesado e a guerra não é fácil. Peço-lhes para ponderarem bem qual o caminho que pretendem seguir e, por vezes, conseguimos até evitar a via judicial, contudo, e infelizmente, o Mundo é composto de pessoas calmas, outras compreensivas, outras aceleradas, outras que gostam do conflito, e por aí afora, pelo que, e mesmo tentando sempre acreditar no melhor de todos nós, nem sempre é possível nos mantermos fora do Tribunal e evitar todo um processo judicial.
Assim e mais uma vez, a prática preventiva será sempre o melhor caminho e a ajuda de terapeutas pode alterar – e muito – e, até ajudar a evitar mais uma situação de conflito parental reduzindo o impacto emocional nestas crianças que, infelizmente, poderão algumas das vezes ficar traumatizadas com todo o processo e carregarão essa ferida para a sua Vida adulta, repetindo-se, infelizmente, os padrões. 

Que cuidados éticos devem ser observados no tratamento da informação sensível quando o processo envolve menores?
Todos. Acima de tudo adotar os comportamentos necessários para respeitar a privacidade, dignidade e integridade dos Menores.

Considera que Portugal tem mecanismos adequados para assegurar o acesso das crianças à justiça? O que ainda precisa de ser melhorado?
Sim, mas ainda há um caminho a percorrer. Infelizmente, Portugal está sobrecarregado em todas as frentes… Tribunais, finanças, segurança social, conservatórias, centros de apoio, hospitais, entre outros…. No meu entendimento, é prioritário alterar o sistema e contratar mais meios humanos. Não podemos ter – como por exemplo já experienciei – processos de regulação de responsabilidades parentais parados por mais de um ano, apenas porque não há meios disponíveis para iniciar o processo e citar a parte contrária para se marcar uma conferência de Pais. 
Estes atrasos, no final, prejudicam apenas os Menores e a relação que os mesmos têm com os Progenitores. Entendo que a demanda é demasiada, contudo, temos de arranjar meios possíveis para responder a tal. A criança não pode ser prejudicada por isto e, acima de tudo, não deve ser relegada para um segundo plano por falta de meios. A criança de hoje é o adulto de amanhã.
Identicamente, não podemos continuar meses à espera que, as instituições como seja o CAFAP, possa atuar, apenas porque, na altura em que se mostra mais necessário, não tem meios humanos disponíveis para dar resposta a tamanha solicitação – os únicos prejudicados são, novamente as crianças.
Portanto – e aqui, infelizmente, não é apenas um problema a nível judicial, mas sim em todos os serviços a nível nacional – Portugal tem de apostar em mais meios humanos em todas as áreas. Caso contrário, continuaremos todos a sair prejudicados, no final. Neste caso, as crianças o maior alvo… passam meses sem conviver o mesmo tempo com ambos os progenitores ou, simplesmente, com os progenitores ou, até, a não disporem de um acordo de responsabilidades parentais devidamente firmado que acautele os seus direitos, o que se torna difícil.

Como pode a advocacia, para além do litígio, ter um papel preventivo e educativo na defesa e promoção dos direitos da criança?
Entendo que, o papel preventivo e educativo na defesa e promoção dos direitos da criança, dificilmente conseguirá ser desempenhado apenas pelo Advogado, porquanto, o Advogado atua nestas causas enquanto defensor da criança no litígio que já se encontra em curso no Tribunal.
O papel preventivo, na minha opinião, deve ser desempenhado pelo Estado em si, e aqui, talvez parta também pela educação das crianças na escola, porquanto, serão estes os adultos de amanhã e as bases já estarão estabelecidas no sentido de cada parte desempenhar o seu papel, ou seja, o adulto tem de desempenhar o seu papel e não instrumentalizar a criança ou retirar o papel da criança em si. A criança tem apenas de ser criança e não ser “usada” pelos Pais ou mesmo assumir o papel de adulto na relação em ouvir os “desabafos” dos Pais ou sentir que tem de escolher um Progenitor.
O Advogado pode tentar assumir este papel preventivo junto dos Progenitores, contudo, nem sempre tal acontece, pois, e quando os Progenitores “chegam” a nós, o conflito – na maior parte das vezes – já está instalado.
Assim, na minha opinião, é um pouco difícil ser o advogado a ter um papel preventivo ou mesmo educacional da defesa e promoção dos direitos da criança… talvez tal processo se conseguisse alcançar em casos de ações de formação/esclarecimento em Pais que se encontrem em fases de pré-divórcio, por exemplo. Ou mesmo através da disponibilização de mais terapeutas que possam auxiliar neste processo de pré-mediação, que possam tentar conciliar as partes e dar-lhes as ferramentas necessárias que necessitam para evitar uma situação de conflito. 
Além disto, poder-se-ia, igualmente, enquanto Advogados disponibilizar reuniões com os Progenitores – de forma gratuita – para entenderem os prós e contras de um processo judicial e de conflito.

Que mensagem gostaria de deixar aos profissionais do Direito sobre a importância de uma prática ética e responsável na proteção dos direitos da criança?
Estamos todos a fazer a nosso melhor. O mundo está demasiado acelerado e cumpre-nos a nós arranjar tempo e soluções para proteger a criança do Tribunal. Tentemos sempre alcançar acordos extrajudiciais equilibrados para todas as partes e dotar os Progenitores de ferramentas para que não tenhamos de nos encontrar perante mais um conflito judicial.

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