“No Dark Sky® Alqueva, o céu é o ponto de partida para uma viagem sensorial e emocional”
A Presidente e Fundadora do Dark Sky® Alqueva, Apolónia Rodrigues, em entrevista à Business Voice, partilhou a visão, o percurso e o impacto do projeto Dark Sky® Alqueva — o primeiro destino do mundo certificado para o astroturismo. Pioneiro a nível global, o Dark Sky® Alqueva é muito mais do que um local privilegiado para observar as estrelas: é um exemplo de inovação, valorização do território e promoção de turismo sustentável. Sob a liderança inspiradora de Apolónia Rodrigues e uma equipa focada no crescimento do mesmo, o projeto tem vindo a afirmar-se como referência internacional, combinando ciência, conservação ambiental e desenvolvimento económico local. Nesta entrevista, a nossa interlocutora reforça a importância de criar experiências autênticas e sustentáveis, onde o céu noturno, livre de poluição luminosa, é protagonista de um turismo mais consciente e em sintonia com a natureza. Um testemunho inspirador de quem continua a olhar o céu como caminho para o futuro do turismo.
O projeto Dark Sky® Alqueva foi pioneiro a nível mundial na certificação de destinos de astroturismo. O que motivou a criação deste projeto e quais foram os principais desafios iniciais para afirmar Portugal como referência internacional nesta área?
O Dark Sky® Alqueva nasceu em 2007 como uma alternativa ao modelo de desenvolvimento pouco centrado na sustentabilidade ancorado em projectos de grande dimensão em torno do Lago Alqueva e que iriam alterar significativamente a identidade da região e ultrapassar a sua capacidade de carga. Mas a escolha do seu elemento diferenciador, o céu noturno, nasceu da consciência de que este recurso, apesar de silencioso e invisível aos números do turismo tradicional e das entidades, era, sem dúvida, um património de grande valor natural, económico e cultural. O Alqueva, com a sua escuridão quase intacta, revelou-se o lugar ideal para lançar uma nova forma de turismo centrada na contemplação do cosmos. O maior desafio foi quebrar paradigmas: convencer decisores, operadores e comunidades de que o céu podia ser um recurso. Tivemos de construir o caminho desde o zero, criar normas, sensibilizar para a importância de preservar a noite e garantir uma oferta turística de qualidade, tudo sem modelos anteriores a seguir.
Como descreveria a evolução do astroturismo em Portugal nos últimos anos e de que forma o Dark Sky Alqueva contribuiu para esse crescimento?
Nos últimos anos, o astroturismo em Portugal deixou de ser uma curiosidade e tornou-se uma tendência sólida. O Dark Sky® Alqueva funcionou como semente e farol: foi o primeiro destino certificado do mundo, mostrou que este tipo de turismo pode ser profissional, atrativo e economicamente viável. Através da formação de guias, do envolvimento dos municípios e da criação de experiências diferenciadas, contribuímos para gerar um ecossistema que hoje se replica noutras regiões, como o Dark Sky® Vale do Tua, com potencial para formar a rede nacional que designamos por Dark Sky® Portugal.
O astroturismo destaca-se por promover um turismo sustentável, fora das grandes épocas turísticas. Que impacto económico e social tem tido esta atividade nas comunidades locais abrangidas pelo Dark Sky® Alqueva?
O impacto é palpável e passa pela revitalização de alojamentos rurais, surgimento de novas empresas de animação turística, formação de guias e técnicos locais, e uma quebra clara na sazonalidade do turismo. Mais do que números, o astroturismo trouxe dignidade e oportunidade a territórios esquecidos. As comunidades passaram a olhar o céu como um ativo e sentem-se parte de algo maior, um projeto que valoriza o que é local, silencioso e autêntico.
A preservação do céu noturno é uma das missões centrais do projeto. Quais são as principais ameaças à qualidade do céu escuro e que medidas têm sido implementadas para combater a poluição luminosa na região?
A poluição luminosa é, sem dúvida, a maior ameaça à qualidade do nosso destino, pois não sendo uma prioridade das instituições a curto prazo, o que torna tão difícil sensibilizar para os seus impactos, é devastadora para o destino a longo prazo. Enfrentamo-la com ações estruturadas tais como projetos de requalificação da iluminação pública com tecnologia adequada, formação técnica de decisores e técnicos municipais, campanhas de sensibilização junto da população, e sensibilização para a integração de critérios de proteção do céu nos instrumentos de planeamento territorial. A preservação da noite é uma missão contínua.
De que forma o Dark Sky® Alqueva tem integrado práticas sustentáveis no desenvolvimento das suas atividades turísticas e que impacto concreto essas práticas têm tido na conservação do território e na redução da pegada ecológica?
A sustentabilidade está sempre presente, desde o desenho da experiência turística até à gestão dos recursos. Favorecemos a mobilidade suave, como percursos pedestres e cicláveis, promovemos a economia circular e a valorização dos produtos locais, apoiamos alojamentos e operadores que adotam práticas ambientalmente responsáveis e procuramos reduzir ao mínimo a pegada ecológica das atividades. Integramos iniciativas internacionais tais como a Declaração Glasgow, a Global Tourism Plastics Initiative e a One Planet Travel with Care, para reforçar o nosso contributo no turismo e na região. O impacto é visível na valorização do território, na redução da pressão sobre os recursos e na geração de um turismo mais consciente e duradouro.
Na sua perspetiva, qual é o papel da educação ambiental e da ciência na valorização e conservação dos céus noturnos?
É um papel absolutamente central. A ciência, sem dúvida, ajuda-nos a compreender o universo e o nosso lugar nele enquanto que a educação ambiental desperta-nos para a responsabilidade de o proteger. No Dark Sky® Alqueva, integramos estas dimensões através de atividades com escolas, observações orientadas, oficinas temáticas e parcerias com centros de investigação. Só preservamos o que conhecemos e amamos e o céu precisa de ser redescoberto por cada geração e é esse o nome papel.
Para além da observação astronómica, o astroturismo envolve muitas vezes atividades culturais, gastronómicas e científicas. Como se constrói uma experiência verdadeiramente imersiva e diferenciadora para os visitantes do Dark Sky® Alqueva?
Uma experiência imersiva começa pela autenticidade. No Dark Sky® Alqueva, o céu é o ponto de partida para uma viagem sensorial e emocional pois unimos astronomia a sabores locais, à cultura oral, ao silêncio das paisagens e à luz das estrelas. Cada atividade é pensada para criar um laço entre o visitante e o lugar, seja através de um telescópio, de brindar à luz das estrelas, conhecer o Alqueva em canoa nas noites estreladas ou de uma caminhada noturna em que o céu é o teto e o património é a paisagem.
Há também uma vertente de promoção do património científico e natural. Considera que o astroturismo pode ajudar a aproximar o público geral da ciência e do conhecimento astronómico?
Sim, no meu entendimento esse é um dos seus maiores méritos. A observação astronómica desperta a curiosidade e gera uma experiência de deslumbramento que nos liga à ciência de forma natural. Muitas pessoas têm o seu primeiro contacto com a astronomia através do turismo e essa primeira experiência pode transformar-se em paixão, inspiração, conhecimento e até vocação. O céu é um enorme livro aberto, e o astroturismo é uma forma acessível e inspiradora de começar a lê-lo. Por outro lado, através da astrofotografia o nosso observatório tem produzido ao longo dos anos dezenas de imagens que traduzem a união entre ciência, beleza e arte, e que têm inspirado o grande público, despertando neles a vontade de querer conhecer mais, compreender melhor o “invisível”, aprofundar melhor os seus conhecimentos sobre o incrível Universo que se ergue acima de nós.
Com o crescente interesse internacional pelo astroturismo, Portugal tem potencial para expandir este tipo de oferta para outras regiões? Existem planos para novos destinos Dark Sky® em território nacional?
Portugal tem todas as condições para se afirmar como um país líder no astroturismo, especialmente porque tem um destino como o Dark Sky® Alqueva que reúne as condições ideias tal a excelente qualidade do céu noturno e grande disponibilidade do recurso, cerca de 286 noites potenciais de céu limpo por ano. Para além do Dark Sky® Alqueva, ainda temos alguns territórios com baixos níveis de poluição luminosa, como o Vale do Tua, uma cultura de proximidade com a natureza e um clima favorável à observação noturna. O Parque Natural Regional do Vale do Tua já está a seguir os passos do Dark Sky® Alqueva e desde 2020 que está a implementar o Dark Sky® Vale do Tua. A nossa visão passa por criar uma rede de destinos Dark Sky® certificados pela Fundação Starlight, ligados entre si por princípios comuns, sustentabilidade, qualidade e valorização do património natural e científico.
Como antevê o futuro do astroturismo nos próximos 10 anos e que papel poderá Portugal desempenhar a nível europeu ou global nesta área?
Nos próximos 10 anos, o astroturismo será cada vez mais relevante num mundo que procura reconexão com a natureza, experiências significativas e de valor acrescentado e destinos autênticos. Portugal deve ser um protagonista deste movimento, não apenas como destino turístico, mas como referência em boas práticas, certificação, formação e inovação. Temos uma janela de oportunidade para posicionar o país como guardião dos céus escuros e promotor de um turismo regenerativo. O passo que falta para que isso aconteça passa por uma maior valorização, a nível regional, nacional e governamental, do que foi criado por nós desde 2007 e o entender o seu verdadeiro potencial no panorama internacional.
Enquanto presidente da Associação Dark Sky, qual tem sido o momento mais marcante do seu percurso ligado ao céu noturno e à sua preservação? E que legado gostaria de deixar neste campo?
Foram muitos os momentos especiais, mas talvez o mais marcante tenha sido ver o céu do Alqueva reconhecido e certificado como o primeiro Destino Starlight do mundo. Era o sinal de que o impossível era possível e que estávamos no bom caminho. O legado que gostaria de deixar é simples, que as próximas gerações possam olhar para cima e ver o céu como nós o vimos. Que o património celeste seja vivido, protegido e celebrado. Porque, no fundo, o céu é de todos, e cabe-nos garantir que assim continue a ser por muitos anos.