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“A Saúde Mental é um direito de Todas e de Todos”

Sofia Ramalho, Bastonária da Ordem dos Psicólogos Portugueses, assumiu a liderança da instituição em finais de 2024, e pretende continuar a marcar a diferença, pois se o caminho é exigente, a determinação é ainda maior. À Business Voice abordou um pouco mais sobre a importância de olharmos com maior atenção para as questões relacionadas com a Saúde Mental.

Em finais de 2024, a Sofia Ramalho foi eleita Bastonária da Ordem dos Psicólogos. No sentido de contextualizar o nosso leitor, porquê a aposta neste caminho e que balanço já é possível perpetuar da sua liderança na Ordem dos Psicólogos?
Assumi a liderança da Ordem dos Psicólogos Portugueses com um profundo sentido de missão e focada no interesse público. A psicologia tem hoje um papel decisivo para o futuro do país, e os psicólogos têm de ser protagonistas dessa transformação. Esta direção chegou aqui depois de uma escuta ativa dos profissionais, da sociedade e das necessidades reais das pessoas, a par de um trabalho árduo e continuado com os decisores políticos. Em poucos meses, intensificámos o diálogo institucional, reposicionámos a Ordem como voz pública ativa na defesa da saúde mental e da profissão nos vários setores, e lançámos as bases para uma estrutura mais próxima, participativa e eficaz. O caminho é muito exigente, mas estamos a avançar com determinação.

Analisando o setor, quais são os principais problemas que existem no domínio da classe dos psicólogos em Portugal e que devem ser alterados urgentemente?
Os desafios são vários, mas destacaria três prioridades. Em primeiro lugar, o subfinanciamento crónico da saúde psicológica no Serviço Nacional de Saúde (SNS), em especial nos Cuidados de Saúde Primários, onde os cerca de 400 psicólogos que aí trabalham em todo o país são manifestamente insuficientes, o que resulta em listas de espera e intervalos entre consultas que não se compadecem com as necessidades de resposta ao sofrimento psicológico de muitos portugueses. Em segundo, a enorme precariedade e desvalorização dos profissionais em diversos contextos, com destaque para o setor de educação onde, a cada final do ano escolar, os psicólogos não sabem se poderão dar continuidade às suas intervenções no ano seguinte e não podem planificar ajustadamente o novo ano escolar. Destacaria ainda o setor social, cuja intervenção dos psicólogos é muito abrangente, desde a primeira infância à população idosa, num trabalho incansável com as pessoas com enormes vulnerabilidades pessoais, familiares, económicas e sociais, mas cuja intervenção depende de financiamentos intermitentes, que não garantem a estabilidade, qualidade e sustentabilidade das intervenções. Finalmente, e em terceiro lugar, destacaria a ausência de psicólogos em áreas onde a sua presença é indispensável, como as empresas, os lares, os tribunais, ou os serviços prisionais. Precisamos de políticas públicas que não se fiquem pelos discursos e que garantam condições concretas de atuação digna e eficaz aos psicólogos.

É legítimo afirmar que esta classe e a própria profissão ainda são vistos como o «parente pobre» da saúde em Portugal? Porquê é que ainda existe esta imagem destes profissionais?
Durante décadas, a saúde foi quase exclusivamente pensada em termos biomédicos, maioritariamente centrada na doença física ou mental, e não na saúde mental, descurando o papel da psicologia, por exemplo, no desenvolvimento e no autocuidado das pessoas, nas tomadas de decisão em momentos de vida, na definição de projetos de vida e de planos de desenvolvimento pessoal e profissional. A saúde mental era tabu, e o sofrimento psicológico era subestimado ou remetido para o foro da vida íntima das pessoas. Isto refletiu-se em investimentos residuais na saúde mental, e numa visão redutora do papel da psicologia e dos psicólogos. Hoje, há mais consciência pessoal, social e política, e a saúde mental passou a ser sentida como uma necessidade básica do ser humano, tal como a saúde física. Hoje, em todas as casas e em todas as idades, fala-se de saúde mental, da psicologia e dos psicólogos. Assumem-se necessidades de procura do apoio de um psicólogo. Estivesse esse apoio universalmente acessível a todos os que dele precisassem! Hoje, ainda não existe suficiente coragem orçamental dos decisores, e priorização estratégica enquanto defesa de saúde pública. A narrativa em torno da profissão de psicólogo enquanto “parente pobre” precisa de ser combatida com uma nova forma de pensar e encarar a psicologia como um pilar estruturante da saúde e do bem-estar de todas as pessoas.

Vivemos numa era em que mais se fala de saúde mental. De que forma é que os Psicólogos são essenciais na resposta aos problemas de saúde mental em Portugal?
Os psicólogos são insubstituíveis. Na sua área, detêm o conhecimento científico, ético e técnico necessário para intervir nas várias fases do desenvolvimento e do sofrimento psicológico — desde a conceção à morte, e desde a prevenção até à reabilitação. Transformam vidas, previnem o burnout, promovem competências emocionais e sociais nas escolas, fortalecem lideranças saudáveis nas empresas ou ajudam quem vive com depressão, ansiedade ou trauma.

O que tem a Ordem dos Psicólogos feito em prol da defesa destes e destas profissionais?
A nossa ação tem sido orientada por três pilares fundamentais: desenvolvimento e valorização profissional, cooperação institucional, e participação nas decisões políticas. Intensificamos o nosso trabalho para reforçar o posicionamento público da Ordem, e defender os interesses da profissão junto de decisores políticos e das instituições. Apresentamo-nos para intervir nas situações de vulnerabilidade, exclusão ou crise, e criámos mais canais de proximidade, escuta e ação participada. Também estamos a redesenhar a estrutura interna da Ordem para ser mais próxima, mais ágil e mais eficaz. A profissão e os psicólogos têm de sentir que têm uma casa que nos representa, com coragem e competência.

 Porque é fundamental que os psicólogos intervenham em todos os setores da sociedade? O que significa esta dinâmica de presença e atuação dos Psicólogos?
A psicologia atravessa todo o ecossistema e contextos de vida das pessoas: escola, trabalho, famílias, a forma como cuidamos dos outros e de nós mesmos. Os psicólogos não estão apenas em consultórios ou hospitais. Precisamos deles nas empresas a prevenir riscos psicossociais, nas políticas públicas a desenhar soluções baseadas em evidência, nas comunidades a promover a integração social, na justiça a apoiar vítimas e agressores, nos lares a combater a solidão e a ajudar no desenvolvimento de competências, nos desportos a fomentar a resiliência. A presença dos psicólogos em todos os setores significa uma sociedade mais saudável, mais justa e mais preparada para os desafios do século XXI.

Sente que escasseiam políticas públicas que promovam uma presença mais central dos Psicólogos no domínio da saúde mental em Portugal?
Sim, claramente. Temos estratégias, planos e compromissos, mas falta uma ação política consequente, com investimento sério e metas vinculativas. A presença de psicólogos nos cuidados de saúde primários continua a ser insuficiente. Nas escolas, o rácio entre psicólogos e alunos desconsidera as especificidades dos contextos. Nos serviços prestados na área social e comunitária, há lacunas gritantes. E nas empresas, a presença de psicólogos ainda é vista como exceção, não como regra. Precisamos de políticas públicas que assumam os psicólogos como um bem essencial.

De que maneira a pressão e a exigência do mercado de trabalho afetam a saúde mental dos trabalhadores portugueses? Sente que começa a existir uma mudança de mentalidade por parte dos líderes das empresas relativamente a estas questões?
Vivemos tempos de elevada exigência, com ritmos acelerados, insegurança laboral, longas horas e uma pressão constante para “produzir”, lideranças impreparadas ou tóxicas. Isto está a ter impactos sérios na saúde mental dos trabalhadores: aumento de burnout, ansiedade, depressão, absentismo e presentismo laboral. Mas há sinais de mudança. Cada vez mais líderes reconhecem que a saúde psicológica e o bem-estar são um fator de produtividade e de sustentabilidade das pessoas e das próprias empresas. Ainda estamos longe do necessário, mas há uma nova consciência a emergir no tecido empresarial. Em breve, a presença de psicólogos nas empresas será, a meu ver, uma exigência estratégica.

No âmbito do Dia Internacional da Mulher, a Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) publicou uma checklist para ajudar as mulheres a refletir sobre a sua saúde mental. Analisando o global, e na sua opinião, como se sentem os portugueses e portuguesas?
Os portugueses e portuguesas estão mais atentos à saúde mental, mas também mais cansados, sobrecarregados e, muitas vezes, sem acesso ao apoio de que precisam. As mulheres, em particular, enfrentam uma sobrecarga invisível: algumas continuam a trabalhar mais dentro e fora de casa, são cuidadoras informais, têm carreiras mais instáveis, com menos acesso a lideranças de topo, e ainda lidam com expectativas sociais desiguais. A saúde mental é um direito de todas e de todos, e temos de assumi-lo com clareza.

A terminar, quais são os grandes desafios que tem enquanto líder da Ordem dos Psicólogos, e o que podem esperar da instituição todos os profissionais de psicologia em Portugal?
O maior desafio é honrar a confiança dos psicólogos e fazer da Ordem uma instituição mais forte, mais respeitada e ainda mais útil à sociedade. Uma Ordem que influencie políticas públicas, que promova oportunidades e que defenda os interesses da profissão. Os psicólogos podem esperar uma liderança presente, exigente e comprometida, assente nos princípios da justiça e da democracia.



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