Pesquisar

Utilizamos cookies para garantir que tenha a melhor experiência no nosso site. Ao continuar a utilizar o nosso site, você aceita o uso de cookies e a nossa Política de Privacidade.

Liderar: entre o dogma e o servir

Num momento em que a temática sobre liderança parece estar em voga, onde cada vez mais vemos “frameworks” de sucesso, lideranças certas e assertivas, e onde todos os líderes, pelo menos assim parece, encontraram a sua fórmula mágica. Sinto a necessidade de reconhecer que à medida que o tempo passa, tenho cada vez mais dúvidas do que o que resulta e do que não funciona, ou seja, permito-me absorver uma boa dose de ceticismo das denominadas “frameworks” vigentes e, acima de tudo, dos dogmas criados em torno da Liderança. 

Posto isto, não posso deixar de reconhecer que é um tema, além de válido, de enorme valor e que vale a pena abordar, até porque o mesmo me atrai e sobre o qual tenho pensado cada vez mais, não só por uma necessidade profissional - que a tenho e que todos os dias são desafiantes e de aprendizagem - mas porque sempre me interessaram as dinâmicas socioprofissionais no contexto de trabalho. No passado, as dinâmicas socioprofissionais eram definidas por estruturas hierárquicas, onde a liderança era confundida com o poder que as posições dentro dessas estruturas lhes conferiam. Tenho a sorte de trabalhar e ter trabalhado (na maioria) em empresas onde essas estruturas não eram pesadas ou excessivamente burocratizadas, e onde esse poder era mais ganho por respeito e pelo exemplo do que propriamente pelo direito que posições de liderança lhes concediam por inerência.
Desta forma, e pessoalmente, tenho que distinguir de forma muito pouco aprofundada, alguns conceitos que, para mim, estão intrinsecamente ligados à liderança: poder e autoridade. O poder advém da posição hierárquica em si, a autoridade advém do respeito que nos pauta a ação de liderar e servir.
Mais uma vez alerto os leitores da minha premissa inicial: são mais as dúvidas que me assolam do que as certezas. No entanto, para mim, torna-se claro que, liderar não é sobre o “Eu”, mas sobre o “Nós” e o “Tu”, ou seja, liderar é focar no respeito pelo outro, no servir o outro mais do que o servir o “Eu”. 
Consideremos aqui, para efeitos de uma discussão sadia e positiva, o “Nós” num sentido lato, em que nos podemos referir a uma organização, equipa ou pessoa. Porque liderar é servir uma organização e os seus objetivos, mas também servir uma equipa ou indivíduo da mesma.
Antes de avançarmos e dissecarmos o que temos vindo a ler, não posso avançar sem explicar que para mim liderança não se coaduna numa qualquer “prateleira” provida de romantismo e lirismo, isto é, ao lerem palavras como respeito, servir, autoridade, não quero que fiquem com a ideia que para mim liderar é uma utopia poética, pois tem também um lado perverso, onde há momentos para liderar e momentos para chefiar (no tal sentido mais amplo de autoridade), onde há momentos em que objetivos organizacionais, pessoais e coletivos são dissonantes e onde há também pessoas que não estão alinhadas com a organização, nem com as equipas onde estão inseridas, ou seja, vivo na realidade e não num mundo idílico. Há decisões difíceis a serem tomadas, há pessoas difíceis de serem lideradas, há pessoas difíceis a liderar e há organizações e culturas organizacionais onde é difícil ser líder. 
Pois bem, voltando ao tema da autoridade e de servir, ao “nós” e ao “tu”: liderar é um caminho solitário, com grande enfoque no outro em detrimento de quem lidera. O que quero dizer é, liderar não é aplicar um sistema de sucesso, não é delinear uma framework e implementar. Liderar, principalmente no mundo atual em que vivemos (célere, dinâmico e volátil, temas que impactam - organizações e pessoas - e muito a liderança mas que podemos deixar para outra discussão) é estar em constante sobressalto, é estar em constante alerta e atenção às pessoas e a organização onde estamos inseridos. É termos um plano e visão de onde queremos chegar, mas sermos capazes de nos adaptar às mudanças que nos são impostas e que não conseguimos influenciar. 
Nesta fase entra o servir, patamar que nos leva a um conjunto de questões:
De que forma podemos aproveitar as mudanças em benefício da organização e das pessoas? 
De que forma é que os líderes conseguem retirar os obstáculos que são colocados ao longo do caminho e influenciar positivamente todo o contexto? 
De que forma conseguem esses líderes realinhar a visão com o que lhe é imposto?
Em suma, espírito de serviço como base à liderança. Pelo menos é o que tenho aprendido de uma forma empírica.
Nesta altura, penso que ter partilhado contexto suficiente sobre liderança e desafios e sobre os meandros em que ambas se perpetuam. Partilho convosco o que tem pautado a minha jornada: servir, respeitar, comunicar, escutar ativamente, auto-controlo, disciplina, carácter e amor. Pelo menos, é o que tenho tentado e, apesar de mais vezes do que as que quero admitir, falhar e voltar a tentar.
Chamo à atenção que uma liderança com base em servir, centra-se no que é externo ao líder e, para isso, servir, respeitar, comunicar e escutar ativamente são ferramentas imprescindíveis. Por outro lado, se liderar é servir, essa mesma liderança deve advir de atitudes centradas no líder, ou seja, autocontrolo, disciplina, carácter e amor. São duas caras da mesma moeda, ou seja, é um equilíbrio difícil de se alcançar e mais complicado de se manter, mas são atitudes intimamente relacionadas, pois não podemos servir sem carácter nem amor, não podemos comunicar sem autocontrolo, não podemos escutar sem disciplina. Não podemos unir o Capital Humano em torno de um desiderato sem liderarmos pelo exemplo.
Assim sendo, penso que podemos abordar os principais objetivos da liderança, que, no meu entender, são: empoderar e desenvolver pessoas, transformar e melhorar processos, entregar com qualidade aos clientes e potenciar resultados.
Quando lideramos por serviço, respeito, escuta ativa, carácter e amor, estamos a proporcionar um espaço seguro, de valia, em que potenciamos o desenvolvimento de pessoas e não só de competências. Asseguramos um compromisso genuíno e maximizamos a motivação e, claro, a retenção. Por outro lado, quando ouvimos e questionamos quem está no terreno, identificamos oportunidades de melhoria e conseguimos obter clareza e alinhamento. Tudo isto vai impactar de forma positiva nos clientes e parceiros, ou seja, melhorar a qualidade recebida e percebida, garantir processos rápidos e claros, assim como se traduzir numa cultura de serviço. Finalmente, ao liderar com propósito os resultados passam a ser uma consequência de toda a cultura.
Assim, acredito que, e tendo como base as premissas anteriores, estaremos mais perto de liderar, influenciar, desafiar, transformar, potenciar e concretizar toda uma visão conjunta.
Em suma, liderar é, acima de tudo, a arte de unir. Unir talentos, vontades, visões e corações em torno de um propósito comum. É saber inspirar nos momentos bons e orientar nos momentos difíceis. É um desafio constante — porque lidar com pessoas exige sensibilidade, empatia e resiliência. Mas é também uma das jornadas mais gratificantes que alguém pode trilhar, porque quando se lidera com autenticidade, o impacto vai muito além dos resultados: transforma-se vidas, equipas e futuros.

Bruno Oliveira e Silva, Department Manager, Accounts Receivable

Mais Artigos Relacionados "Sociedade"