Da Contabilidade à Consciência Financeira: Uma Nova Perspetiva sobre Dinheiro
"A literacia financeira é muito mais do que uma competência técnica — é uma forma de viver com autonomia e equilíbrio. Gerir bem o dinheiro é cuidar do presente e preparar o futuro com segurança e consciência". É com esta filosofia que Patrícia Ventura, Fundadora da Taxconsultadoria e Contabilista Certificada, nos convida a olhar para o dinheiro de uma forma totalmente nova. Na sua entrevista à Business Voice, a nossa interlocutora vai muito além dos números: fala de autonomia, equilíbrio e escolhas conscientes.
Para Patrícia Ventura, gerir bem o dinheiro é, acima de tudo, cuidar de si e do seu futuro. Não se trata apenas de planear despesas ou pagar impostos — trata-se de construir uma vida onde segurança financeira e bem-estar caminham lado a lado. Com insights práticos e uma visão estratégica, a nossa entrevistada mostra que a literacia financeira é, na verdade, uma forma de viver com inteligência e liberdade. Se pensava que falar de finanças era aborrecido ou distante, esta entrevista prova exatamente o contrário: é uma chamada para agir, refletir e transformar a relação com o dinheiro.
De que forma avalia o nível de literacia financeira dos portugueses atualmente? Nos últimos anos, através da sua experiência, tem sentido maior interesse das pessoas por compreender e organizar melhor as suas finanças?
De forma geral, o nível de literacia financeira dos portugueses tem vindo a melhorar, embora ainda exista um longo caminho a percorrer. Com base na minha experiência, observo um interesse crescente por parte das pessoas — tanto particulares como empresários — em compreender melhor como gerir o seu dinheiro e tomar decisões mais informadas. Já não basta “ter as contas em dia”; há uma vontade genuína de perceber os números, planear o futuro e criar estabilidade financeira com base em conhecimento e não apenas em hábito.
Esta evolução positiva é um sinal encorajador, mas ainda insuficiente. No entanto, a literacia financeira em Portugal continua longe do nível desejável. Muitos compreendem conceitos básicos, mas têm dificuldade em aplicá-los de forma estruturada e consistente. É um processo que exige educação, acompanhamento e disciplina. Embora o acesso à informação tenha aumentado, o grande desafio é transformá-la em conhecimento útil e aplicável no dia a dia — algo que, na TaxConsultadoria, procuramos incentivar através de formação e orientação prática.
Na sua perspetiva profissional, quais são hoje os maiores desafios que os portugueses enfrentam na gestão das suas finanças pessoais? O problema está mais na falta de conhecimento técnico, nos hábitos culturais ou na dificuldade em aceder a informação fiável?
O desafio é triplo e profundamente enraizado na forma como lidamos com o dinheiro. Em primeiro lugar, a falta de planeamento financeiro continua a ser um obstáculo considerável — muitas pessoas não definem objetivos concretos nem seguem um orçamento consistente. Depois, há uma questão cultural, ainda marcada por uma visão imediatista do dinheiro e pela tendência de associar sucesso financeiro ao consumo, em vez de à estabilidade e à segurança económica.
Por fim, surge a confusão informacional. Estamos constantemente expostos a uma avalanche de “dicas” e conselhos financeiros, especialmente nas redes sociais, onde nem sempre há rigor ou credibilidade. Na TaxConsultadoria, procuramos contrariar este fenómeno com informação técnica traduzida numa linguagem simples, prática e acessível. O verdadeiro progresso acontece quando o conhecimento se transforma em comportamento — e é precisamente isso que procuramos fomentar junto de cada cliente.
No trabalho diário como contabilista certificada, que erros mais comuns observa nas famílias ou empreendedores portugueses quando tentam planear as suas finanças?
O erro mais comum é a falta de estrutura. Muitas famílias e pequenos empresários continuam a gerir o dinheiro de forma reativa — gastam primeiro e só depois avaliam. Poucos planeiam, comparam alternativas ou projetam cenários antes de tomar decisões. Na TaxConsultadoria, trabalhamos precisamente esse ponto: criar hábitos consistentes de planeamento, análise e prevenção, que são a base de uma gestão financeira saudável.
Outro erro recorrente é a ausência de fundos de emergência ou de reinvestimento, essenciais tanto para agregados familiares como para microempresas. Reservar parte do rendimento para imprevistos e oportunidades futuras é uma prática que garante resiliência e estabilidade. A literacia financeira não se resume a poupar — trata-se de preparar o futuro com visão e estratégia, cultivando uma relação consciente e sustentável com o dinheiro.
O crédito fácil e o estímulo constante ao consumo continuam a marcar o comportamento financeiro dos portugueses. Como é que procura sensibilizar os clientes para o equilíbrio entre o desejo de consumir e a necessidade de poupar e planear o futuro?
O crédito democratizou o acesso a bens e serviços, mas também gerou um falso sentimento de segurança financeira. Na TaxConsultadoria, reforçamos constantemente um princípio essencial: o crédito não é rendimento, é uma responsabilidade. Deve ser encarado como uma ferramenta que só faz sentido quando usada com ponderação, dentro de um plano financeiro global e bem estruturado.
Ajudamos as famílias e empresas a encontrarem o seu ponto de equilíbrio, mostrando que poupar e consumir podem coexistir de forma saudável. Incentivamos o consumo responsável e planeado — gastar com consciência, poupar com propósito e evitar decisões movidas pela impulsividade. Este equilíbrio é o que transforma o crédito num instrumento de progresso e não num peso financeiro. O segredo está em compreender que estabilidade não significa privação, mas sim liberdade para decidir com segurança e visão de futuro.
A literacia financeira começa na educação, mas também se constrói na prática. De que forma considera que o sistema educativo poderia aproximar o conhecimento financeiro das famílias e dos jovens?
O ensino formal em Portugal ainda não atribui à literacia financeira o destaque que ela merece. O Referencial de Educação Financeira representa um passo importante, mas a sua implementação prática continua a ser limitada e pouco consistente. Falta uma abordagem verdadeiramente transversal — a educação financeira deve ser integrada de forma obrigatória em disciplinas como Cidadania, Matemática e Ciências, com base em exemplos reais, simulações e exercícios aplicados ao quotidiano dos alunos.
Na TaxConsultadoria, procuramos colmatar essa lacuna através da partilha regular de informação financeira clara e acessível nas nossas plataformas digitais. O nosso objetivo é sensibilizar o público para temas essenciais da gestão financeira e fomentar uma cultura de responsabilidade económica. Defendemos que o conhecimento financeiro deve ser transmitido desde cedo, mas também reforçado em casa, no seio das famílias. Quando a escola, os pais e entidades especializadas trabalham em conjunto, criam-se gerações mais conscientes, responsáveis e preparadas para enfrentar as exigências económicas do futuro.
A pandemia e, mais recentemente, a instabilidade económica global mostraram a importância da reserva financeira. Que lições acredita que os portugueses aprenderam — ou deveriam ter aprendido — com estes períodos de incerteza?
A pandemia foi um ponto de viragem. Muitas pessoas e empresas perceberam, pela primeira vez, a importância do planeamento e da liquidez. Este período mostrou de forma clara como a falta de reservas e de organização financeira pode fragilizar rapidamente a estabilidade económica.
Mais do que uma crise sanitária, foi um alerta para a necessidade de criar hábitos financeiros sólidos — poupar com regularidade, reduzir o endividamento e planear a longo prazo. Estas lições continuam a ser atuais: a segurança financeira não se constrói em momentos de incerteza, mas sim antes deles, através de disciplina, conhecimento e decisões conscientes.
A grande lição é que a estabilidade não é fruto da sorte, mas do método. Criar reservas, diversificar rendimentos e planear fiscalmente não é apenas boa prática — é sobrevivência. E quem aprendeu isso durante a pandemia, hoje encara o futuro com mais serenidade.
Cada vez mais ouvimos falar de investimento e de produtos financeiros complexos. Como é que o cidadão comum pode distinguir entre uma oportunidade legítima e um risco disfarçado? Há sinais de alerta que deveriam ser mais conhecidos?
Investir é essencial, mas deve ser feito com conhecimento e prudência. É fundamental desenvolver uma análise crítica e informada antes de aplicar o dinheiro, compreendendo claramente a diferença entre rentabilidade e risco. É igualmente importante reforçar a diversificação, a transparência e a escolha de produtos devidamente regulados, que ofereçam segurança e estabilidade a longo prazo.
Existem sinais de alerta que devem ser amplamente reconhecidos: promessas de lucros elevados em prazos curtos, entidades sem supervisão e pressões para investir de imediato. Um bom investimento é aquele que se compreende totalmente — se algo não é claro, o melhor é estudar mais, procurar aconselhamento e tomar decisões fundamentadas. No fim, o investimento mais seguro e duradouro continua a ser a informação e a formação financeira sólida.
A literacia financeira não se limita apenas às famílias, mas também às empresas. Que papel desempenha a literacia financeira na sustentabilidade e no crescimento das pequenas e médias empresas em Portugal?
Nas PME, a literacia financeira é um fator determinante para a sua sustentabilidade e crescimento. Pequenas empresas com uma gestão financeira sólida conseguem crescer de forma sustentada, antecipar dificuldades e enfrentar períodos de instabilidade económica com maior resiliência. A capacidade de compreender relatórios financeiros, interpretar indicadores de desempenho e planear com base em dados concretos é o que distingue uma empresa preparada de uma empresa vulnerável.
A literacia financeira ajuda os empresários a definir estratégias de investimento mais eficazes, a otimizar custos, a gerir melhor a tesouraria e a criar margens de segurança em tempos de incerteza. Uma PME financeiramente consciente é mais capaz de inovar, de negociar com fornecedores e instituições bancárias em melhores condições e de garantir estabilidade aos seus colaboradores. Promover a literacia financeira no tecido empresarial português é, por isso, um investimento direto na competitividade e na solidez da economia nacional.
O objetivo é promover uma cultura de gestão informada, em que cada decisão é suportada por dados concretos e não por intuição. Quando as PME compreendem verdadeiramente os seus resultados e fluxos de caixa, tornam-se mais resilientes, competitivas e preparadas para os desafios do mercado — e esse é o tipo de transformação que procuramos impulsionar todos os dias.
Empresas financeiramente literadas planeiam, antecipam riscos e otimizam recursos. Cada PME saudável representa estabilidade económica e emprego. Por isso, quando formamos empresários para gerir com rigor e visão, estamos também a contribuir para a saúde económica de Portugal.
Com o avanço das fintechs e das plataformas digitais de gestão financeira, o acesso à informação nunca foi tão fácil. Estas ferramentas estão realmente a ajudar a aumentar a literacia financeira, ou apenas a simplificar o consumo digital?
As fintechs vieram simplificar a relação com o dinheiro, mas simplificar não é o mesmo que educar. Estas ferramentas podem ser excelentes apoios para quem já possui alguma consciência financeira, ajudando a gerir despesas e a organizar orçamentos. No entanto, para quem ainda não desenvolveu hábitos sólidos de gestão, podem tornar-se um risco, ao criarem uma falsa sensação de controlo e estimularem o consumo impulsivo.
A tecnologia pode ser uma excelente aliada da literacia, desde que usada com conhecimento e propósito. Por isso, incentivamos os nossos clientes a utilizar apps de gestão de despesas, mas sempre acompanhadas de formação e planeamento. A literacia financeira é o que transforma uma aplicação em instrumento — e não em tentação.
Que mensagem gostaria de deixar aos portugueses sobre a importância da literacia financeira no quotidiano? Que primeiro passo recomendaria a quem quer começar a gerir melhor o seu dinheiro hoje?
A literacia financeira é muito mais do que uma competência técnica — é uma forma de viver com autonomia e equilíbrio. Gerir bem o dinheiro é cuidar do presente e preparar o futuro com segurança e consciência. O primeiro passo é simples: conhecer a própria realidade financeira, definir objetivos claros e tomar decisões informadas. Com método e consistência, qualquer pessoa pode construir estabilidade e confiança a longo prazo.
A educação financeira deve ser encarada como um investimento coletivo, essencial para a prosperidade individual e nacional. É através do conhecimento que se descomplica o complexo, se compreende o técnico e se transforma a teoria em prática. O objetivo é que famílias, empreendedores e empresas portuguesas olhem para o dinheiro com responsabilidade, conhecimento e propósito — porque compreender o dinheiro é, no fundo, compreender a liberdade e o poder de decidir o próprio caminho.