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“Sem Saúde Mental, todas as áreas da nossa vida estarão comprometidas”


“Procurar apoio psicológico é sinal de coragem e cuidado consigo mesmo.” Com esta afirmação poderosa, Laura Alho, Diretora Clínica da Think Wise, lança uma reflexão urgente sobre o estado da saúde mental em Portugal — um tema que, mais do que nunca, exige diálogo, empatia e ação.
Num contexto em que o ritmo acelerado da vida moderna, a pressão profissional e as exigências pessoais deixam cada vez mais marcas no bem-estar emocional, a Think Wise assume-se como uma voz ativa na promoção de uma cultura de saúde mental mais consciente, acessível e livre de estigmas.
Nesta entrevista inspiradora, Laura Alho partilha uma visão lúcida e humana sobre os principais desafios que o país enfrenta neste campo, reforçando uma mensagem que todos precisamos de ouvir: pedir ajuda não é fraqueza — é um ato de coragem e amor-próprio.

Na sua perspetiva, como avalia o estado atual da saúde mental em Portugal? Sente que houve uma evolução significativa no reconhecimento da sua importância ao longo da última década?
Sim, houve uma evolução clara. Hoje fala-se muito mais de saúde mental, há menos tabus e até há legislação nova, como a Lei da Saúde Mental de 2023, que trouxe avanços importantes. Mas, apesar desse reconhecimento, o acesso continua a ser um grande problema, ou seja, houve progresso no discurso e na consciencialização, mas estruturalmente ainda há um longo caminho a percorrer — é preciso transformar o reconhecimento em respostas práticas e acessíveis a todos.

Apesar dos progressos, o estigma ainda é uma realidade. Quais considera serem as maiores barreiras sociais e culturais que impedem as pessoas de procurarem apoio em saúde mental?
A meu ver, o maior obstáculo ainda é cultural: muitas pessoas continuam a ver o pedir ajuda como um sinal de fraqueza. Soma-se o medo do julgamento social e a herança de uma geração que aprendeu a 'aguentar em silêncio' porque ‘só os fracos se queixam e choram’. Enquanto não tratarmos a saúde mental como tratamos a saúde física, o estigma vai continuar a afastar as pessoas do apoio que realmente precisam. Ao contrário do que ainda se pensa, a especialidade de Psicologia não é um luxo; arrisco-me a dizer que é a base que sustenta tudo o resto. Sem saúde mental, todas as áreas da nossa vida – literalmente – estarão comprometidas.

Que papel desempenham a educação e a sensibilização da sociedade na desconstrução de preconceitos associados à saúde mental?
Ambos desempenham um papel estruturante na redução do estigma associado à saúde mental. A educação, desde cedo, permite desenvolver competências emocionais e normalizar a procura de ajuda, eliminando os estigmas ainda subjacentes e promovendo o desenvolvimento mais sadio das pessoas. Já a sensibilização pública contribui para que o conhecimento científico seja acessível a todos e desconstrua as crenças associadas à saúde mental, criando uma cultura coletiva de aceitação e respeito, e aproximando a saúde mental da saúde física, em termos de cuidados primários. Em conjunto, representam a base para uma mudança cultural sustentável. Pessoas com a saúde mental em dia serão seguramente uma mais-valia para a sociedade, no geral.

Na sua experiência, de que forma as empresas e instituições podem contribuir para promover ambientes mais saudáveis, inclusivos e atentos ao bem-estar psicológico dos seus colaboradores?
As empresas e instituições podem contribuir de várias formas. Desde a promoção de uma cultura aberta, onde se normaliza a conversa sobre saúde mental, sem tabus, até à formação de líderes e gestores, capacitando-os para identificar sinais de mal-estar e apoiar as equipas de forma empática. A flexibilidade laboral, incluindo horários equilibrados, teletrabalho e respeito pela vida pessoal, ajuda a reduzir o stress e a sobrecarga. O acesso a apoio psicológico especializado, linhas de apoio ou programas de Employee Assistance também são fundamentais para que os colaboradores possam procurar ajuda quando necessário e em tempo real. Paralelamente, é crucial prevenir o burnout através de uma gestão realista de cargas de trabalho e da promoção de pausas e descanso. Por fim, apostar na inclusão e diversidade cria ambientes seguros, onde todos se sentem respeitados e valorizados, fortalecendo o bem-estar coletivo e individual.

O que significa, para si, passar da estigmatização à valorização no contexto da saúde mental?
A transição da estigmatização à valorização na saúde mental é uma mudança cultural profunda. Para mim, significa abandonar o julgamento e a vergonha (estigma) e adotar a aceitação incondicional. Passamos a tratar a saúde mental com a mesma seriedade e neutralidade da saúde física. Isto permite que a pessoa procure ajuda mais cedo, foque-se na resiliência e seja integrada na sociedade, em vez de isolada. Exige investimento estrutural para garantir cuidados acessíveis e de qualidade para todos. Em suma, é construir uma cultura de empatia.

Como é que a THINK WISE atua na prática para apoiar indivíduos e organizações no desenvolvimento pessoal e na promoção de uma cultura de saúde mental positiva?
Atuamos de várias formas. Para os indivíduos, oferecemos serviços de avaliação, acompanhamento terapêutico e programas de desenvolvimento pessoal, ajudando a gerir emoções, stress, ansiedade e conflitos, além de promover resiliência e autoconsciência. Para organizações, desenvolvemos programas de formação e sensibilização para colaboradores e líderes, incluindo workshops sobre gestão emocional, comunicação empática, prevenção de burnout e promoção de bem-estar no local de trabalho. Também implementamos intervenções estruturadas em temáticas que as próprias empresas tenham identificado como prioritárias, e sessões de coaching ou aconselhamento, criando uma cultura de saúde mental positiva e sustentável. Em suma, a THINK WISE funciona como parceira estratégica, traduzindo conhecimento científico em práticas concretas que fortalecem tanto o indivíduo como o ambiente coletivo.

De que forma as novas tecnologias, como plataformas digitais e programas de acompanhamento online, estão a transformar o acesso e a adesão aos cuidados em saúde mental?
As novas tecnologias estão a transformar o acesso e a adesão aos cuidados em saúde mental. As plataformas digitais e programas de acompanhamento online permitem que indivíduos procurem apoio de forma mais discreta, flexível e imediata, superando barreiras geográficas e de horários. Também facilitam a continuidade do acompanhamento, com recurso a ferramentas interativas e materiais educativos. Em paralelo, estas soluções oferecem às clínicas dados e métricas que permitem ajustar intervenções, tornando o cuidado mais personalizado e eficaz. Contudo, cada caso é um caso e nem todos beneficiarão de acompanhamento nestas modalidades, sendo necessária uma avaliação prévia do profissional de saúde mental. 

Qual considera ser o equilíbrio adequado entre a prevenção e a intervenção terapêutica na promoção da saúde mental?
O equilíbrio passa por integrar ambas de forma complementar. A prevenção foca-se em criar competências emocionais, resiliência e hábitos de bem-estar, diminuindo o risco de desenvolvimento de problemas graves. Já a intervenção terapêutica entra quando surgem dificuldades ou crises, oferecendo apoio estruturado e individualizado para restaurar equilíbrio e promover crescimento. Em conjunto, prevenção e intervenção permitem não só responder ao sofrimento, mas também fortalecer recursos internos, promovendo uma saúde mental duradoura e sustentável.

Que desafios enfrentam os próprios profissionais e cuidadores na área da saúde mental, e como podem ser apoiados de forma sustentável?
São muitos os desafios que enfrentamos: sobrecarga emocional, burnout, pressão por resultados rápidos, contacto constante com o sofrimento alheio, entre outros. Todos estes fatores podem afetar a nossa saúde física e psicológica e, consequentemente, a qualidade do cuidado que prestamos. Uma das formas de apoio que considero essencial é a implementação de supervisão regular, espaços de reflexão e apoio emocional, formação contínua e gestão equilibrada da carga de trabalho. Além disso, promover uma cultura organizacional de valorização e reconhecimento ajuda a reduzir o estigma interno e reforça a resiliência, garantindo que possamos cuidar dos outros sem negligenciar a própria saúde.

As gerações mais jovens parecem mais abertas a falar sobre saúde mental. Acha que este movimento poderá acelerar a valorização e normalização do tema na sociedade?
As gerações mais jovens estão a trazer uma nova cultura de abertura e autenticidade em torno da saúde mental. Ao falarem sobre emoções, ansiedade, depressão ou terapia de forma natural, desconstroem estigmas antigos, mostram que procurar ajuda é normal e ajudam a criar um modelo social em que a saúde mental é vista como uma necessidade e uma mais-valia.
Se esta tendência continuar, irá acelerar a valorização e a normalização do tema, influenciando não só pares da mesma idade, mas também famílias, escolas, empresas e políticas públicas. A juventude atua como catalisador cultural, tornando a saúde mental mais acessível, visível e integrada na vida diária.

Na sua visão, que mudanças estruturais ainda são necessárias, a nível político e social, para que o cuidado em saúde mental seja visto com o mesmo valor que a saúde física?
A meu ver, ainda são necessárias mudanças estruturais profundas para que a saúde mental seja tão valorizada quanto a saúde física. A nível político, é preciso aumentar o investimento no SNS para serviços de Psicologia e Psiquiatria, reduzir listas de espera e garantir acesso a terapias não farmacológicas para todos. É também essencial integrar a saúde mental nas políticas educativas, laborais e sociais, tornando-a uma prioridade transversal. A nível social, é fundamental continuar a combater o estigma, promovendo literacia emocional desde a infância e normalizando o pedido de ajuda. Em conjunto, estas mudanças estruturais permitem que o cuidado em saúde mental seja visto como um direito básico e uma componente essencial do bem-estar e da qualidade de vida.

Que mensagem gostaria de deixar a quem ainda tem receio de procurar apoio psicológico ou sente que cuidar da saúde mental é um sinal de fraqueza?
De alguém que faz da sua vida a psicoeducação e a promoção da saúde mental, a minha mensagem é simples: procurar apoio psicológico é sinal de coragem e cuidado consigo mesmo. Todos, em algum momento da vida, enfrentamos desafios emocionais ou psicológicos, e pedir ajuda é uma forma de reconhecer a nossa própria humanidade. Quanto mais normalizarmos esta atitude, mais fácil será quebrar o estigma e criar uma cultura em que buscar apoio é visto como um ato de força e não de fragilidade. 

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