“O Futuro depende da nossa capacidade de unir Literacia, Ética e Inovação”
Num mundo onde as decisões financeiras moldam o nosso presente e, sobretudo, o nosso futuro, a literacia financeira deixou de ser um luxo para se tornar uma ferramenta essencial. E é precisamente sobre esta competência — tantas vezes subestimada — que conversamos com uma das vozes mais influentes do setor: Nídia Teixeira, uma referência incontornável no universo financeiro, reconhecida pela sua visão clara, objetiva e descomplicada.
Com uma energia contagiante e um talento singular para transformar conceitos complexos em aprendizagens acessíveis, Nídia Teixeira convida-nos a olhar para as nossas finanças de forma mais consciente, informada e estratégica. Nesta entrevista, mergulhamos num diálogo franco e inspirador, que promete não só esclarecer, como também despertar em cada leitor o desejo de assumir o controlo do seu próprio caminho financeiro. Prepare-se para uma conversa que desmistifica tabus, quebra barreiras e abre portas a um tema tão relevante quanto urgente: a literacia financeira. Vamos a isso?
Começando pelo essencial: como define o conceito de literacia financeira e qual considera ser o seu verdadeiro impacto na vida das pessoas e das empresas em Portugal?
Num contexto de volatilidade, incerteza, novos riscos, inovação tecnológica e regulatória, a literacia tornou-se um pilar essencial para famílias e empresas em Portugal.
Diria que a literacia incluindo a financeira é a capacidade de compreender, interpretar e aplicar conhecimentos em diferentes áreas da vida.
Ao contrário do que se pensa, existe mais informação, incluindo a financeira e de forma instantânea, mas simultaneamente também existe maior dificuldade em analisá-la, por exemplo perceber e compreender o impacto real na vida das pessoas, atividades e modelos de negócio.
Na sua perspetiva, qual é o atual nível de literacia financeira dos portugueses? Há diferenças significativas entre gerações ou perfis socioeconómicos?
Para decidir é preciso conhecer, e os desafios que se colocam hoje são múltiplos e de natureza diversa, para além das mudanças nas preferências e expetativas dos cidadãos e consumidores. Portugal apresenta-se como um dos países com menor literacia financeira da União Europeia (UE). A literacia financeira é um dever de todos, e deve começar pelos mais novos.
Vivemos simultaneamente no mundo físico e no mundo digital, e aqui as questões geracionais colocam-se, é fundamental ligar o mundo físico ao digital, a começar pelas famílias, pelas escolas até às lideranças executivas.
Enquanto profissional do setor financeiro, de que forma sente que as organizações estão — ou deveriam estar — a contribuir para o aumento da literacia financeira no país?
O caminho está em curso, com iniciativas de diversa ordem que visam e promovem a literacia financeira, desde reguladores, universidades, organizações e empresas, no entanto, ainda longe do que se pretende como sociedade, isto é, conhecimento para crescer e fazer crescer, pessoas e organizações.
O setor financeiro pode assumir um papel mais ativo e estruturado, promovendo uma cultura de literacia que seja transversal, contínua e inclusiva.
A digitalização do setor financeiro trouxe novas oportunidades, mas também novos riscos. Considera que o avanço tecnológico tem melhorado ou dificultado a compreensão dos produtos e serviços por parte dos clientes?
A digitalização apresenta oportunidades, desde logo o acesso a novos serviços, à transparência e à inclusão, mas a centralidade continua a ser o cliente e a qualidade dessa interação é crucial. Como tal não devemos falar só de literacia financeira, mas de literacia no seu sentido mais amplo, a qual inclui a vertente digital e a do risco.
Como síntese diria que a digitalização melhora o acesso e a transparência, mas só será verdadeiramente inclusiva se for acompanhada por literacia financeira, digital e de risco. O cliente continua a ser o centro, e a qualidade da interação é o que transforma tecnologia em confiança.
Falando de confiança e proximidade, como pode o setor financeiro equilibrar a eficiência da digitalização com a importância do contacto humano?
A inovação incluindo a tecnológica é fundamental para o crescimento da economia, permitindo a subida na cadeia de valor, para tal é necessário reter, requalificar e atrair talento, possibilitando uma ligação mais próxima e personalizada com o cliente.
O setor financeiro só será verdadeiramente competitivo se unir eficiência digital com proximidade humana, criando experiências que sejam simples, rápidas, seguras e, ao mesmo tempo, empáticas e éticas.
As oscilações dos mercados financeiros e o contexto económico global afetam diretamente as famílias e as empresas. Acha que os portugueses estão preparados para lidar com a incerteza e a volatilidade financeira?
A mudança é permanente, a aprendizagem é uma necessidade constante ao longo da vida, permitindo tomar decisões adequadas e mais resilientes, de acordo com, perfil e etapa da vida, de cada individuo e/ou organização.
Verifica-se na sociedade portuguesa dificuldade em compreender conceitos como inflação, taxa de juro ou diversificação do risco, o que limita a capacidade de resposta e de adaptação perante as oscilações dos mercados, a incerteza e os riscos.
A sociedade portuguesa necessita de promover uma maior cultura de prevenção, como: seguros (pilar de estabilidade social e económica), poupança e diversificação do risco, instrumentos de confiança e proteção, para tal há que reforçar a ética e a transparência.
A sustentabilidade é hoje uma prioridade transversal. Como é que o setor financeiro pode integrar a sustentabilidade financeira — e também ambiental e social — nas suas práticas e na educação financeira das comunidades?
A sustentabilidade tem vindo a evoluir no seu conceito e adoção, tornando-se um elemento essencial na gestão moderna. A sustentabilidade terá de integrar as estratégias empresarias, as estratégias de negócio. As organizações mais bem-sucedidas serão aquelas que consigam alinhar as suas práticas ambientais e sociais com o seu propósito, missão, valores e operações diárias, criando valor a longo prazo, incluindo para as comunidades nas quais se inserem.
Hoje o processo de decisão e de consumo é cada vez mais impactado pelos conceitos subjacentes ao ESG (Environmental, Social and Governance) sendo privilegiado pelos consumidores e demais stakeholders, as marcas e empresas que respeitem o ambiente, que tenham boas praticas laborais e processos de gestão transparente e éticos.
O futuro do setor financeiro será definido pela capacidade de alinhar sustentabilidade financeira, ambiental e social com ética e propósito. Só assim se cria valor a longo prazo para pessoas, empresas, comunidades e sociedade.
Na sua experiência direta com empresas, sente que os empresários portugueses têm consciência da importância da literacia financeira para a gestão e crescimento dos seus negócios?
Na minha experiência direta com empresas, sinto que muitos empresários portugueses reconhecem a importância da literacia financeira, mas ainda existe um longo caminho a percorrer para que esta consciência se traduza em práticas consistentes de gestão e planeamento estratégico.
A literacia financeira não é apenas saber interpretar números: é compreender os riscos (financeiros e não financeiros), tendências, avaliar oportunidades e tomar decisões informadas que sustentem o crescimento e a resiliência dos negócios. Sem esse conhecimento, muitas PME´s ficam vulneráveis a oscilações económico/financeiras, dificuldades no acesso ao financiamento e ao chamado gap de proteção, que fragiliza a sua capacidade de enfrentar e navegar a incerteza.
Como Mentora, nomeadamente no Programa VOICE Leadership da Nova SBE, temos vindo a mobilizar o ecossistema empresarial para o aumento da competitividade e do crescimento de Portugal através da formação e mentoria, de forma a apoiar o processo de modernização e competitividade de Portugal através da capacitação dos decisores das Pequenas e Médias Empresas, com ferramentas e rotinas que ajudam a melhorar o seu crescimento futuro.
O papel da escola e da comunidade na formação financeira das novas gerações é frequentemente debatido. Que mudanças considera essenciais para que a literacia financeira seja realmente incorporada na educação formal e na sociedade em geral?
Só através da educação e da formação conseguimos enquanto sociedade evoluir, a literacia financeira, digital e do risco deve ser transversal e continua começando pelos mais novos e acompanhando cada etapa da vida, com a aprendizagem constante, permitindo a inovação, a adaptação e a inclusão, assegurando um futuro mais próspero para todos e cada um.
Por fim, olhando para o futuro, quais são, na sua opinião, os grandes desafios e oportunidades que Portugal enfrenta na construção de uma sociedade financeiramente mais informada, responsável e sustentável?
Todos podemos e devemos contribuir, temos enquanto indivíduos de assumir o controlo do nosso futuro, seja ao nível financeiro, digital e do risco.
Portugal tem o desafio de elevar a literacia e a resiliência, mas também a oportunidade de se afirmar como uma sociedade que une inovação, responsabilidade e ética para construir prosperidade partilhada. Só com ética se consegue criar valor a longo prazo. Um mau investimento pode ser recuperado, sem ética dificilmente a empresa assegura a sua longevidade.
O futuro depende da nossa capacidade de unir literacia, ética e inovação. Só assim construiremos uma sociedade informada, responsável, justa, sustentável e inclusiva.
Nídia Teixeira
Advisor and Business Consultant | Insurance Consulting | Certified Trainer | Certified Accountant | Mentora Nova SBE Voice Leadership| Mentora Pós-Graduações e Mestrados Executivos da Nova SBE Executive Education.